Reforma Administrativa: Governo Federal Prioriza 'Transformação do Estado' e Rejeita PEC 38/2025 da Câmara
O debate sobre a modernização da administração pública brasileira ganhou força diante da divergência entre Executivo e Legislativo. Enquanto a Câmara dos Deputados acelera a tramitação da PEC 38/2025, o Governo Federal, por meio do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), adota o conceito de “Transformação do Estado”, que vem sendo desenvolvido desde 2023.
Nesta segunda-feira (24/11), durante o evento “Modernização
do Estado e Reforma Administrativa”, promovido pela FGV EAESP e pelo Movimento
Pessoas à Frente, a ministra Esther Dweck apresentou a agenda do Executivo,
defendeu a estabilidade como pilar democrático e elevou o tom das críticas ao
texto que avança no Parlamento.
Reforma Administrativa vs. Transformação do Estado
O MGI adotou o termo "transformação do Estado"
como uma diferenciação conceitual de abordagens históricas que limitavam a
reforma administrativa à mera redução do tamanho da máquina pública.
Segundo a Ministra Esther Dweck, essa visão anterior gerou
um "círculo vicioso", caracterizado por cortes orçamentários
indiscriminados, ausência de concursos públicos e o consequente
"sufocamento" de políticas públicas, o que, por sua vez, amplificou a
percepção de ineficiência por parte da população.
A Ministra reforçou a tese de que a transformação do Estado
é um "processo contínuo e incremental" e não a busca por uma
"bala de prata" capaz de resolver todos os problemas de uma só vez.
Ela enfatizou que, "em muitos casos, para gerar
eficiência, é preciso investir", rechaçando a lógica de cortes
generalizados.
A visão do Governo Federal é que a nação necessita de um
Estado inovador e preparado para liderar o desenvolvimento com soberania,
pautado pela inclusão, digitalização e responsabilidade ambiental.
Governo Rejeita a PEC 38/2025 e Critica ‘Excesso de
Constitucionalização’
Esther Dweck esclareceu que a Proposta de Emenda
Constitucional 38/2025, atualmente em discussão no Legislativo, "não
representa a posição do Executivo", por se tratar de uma iniciativa
formulada no Parlamento.
A Ministra afirmou categoricamente que o "Executivo não
concorda com o texto do jeito que ele está", apesar de reconhecer que a
PEC apresenta "pontos relevantes".
Sua avaliação crítica incidiu sobre o fato de a proposta
estar "ampla demais" e, principalmente, carregar um "excesso de
constitucionalização", o que, em sua análise, dificulta o debate e a
construção de um consenso necessário entre os poderes e os entes da federação
para que o tema avance na agenda nacional.
A crítica se aprofundou em relação a dispositivos
considerados inadequados, como a autorização para "extinção de cargos
ocupados por decreto presidencial", classificada por Dweck como um
"excesso de poder".
Ela também lamentou a forma de elaboração do texto,
mencionando que "Muitos parlamentares do grupo de trabalho reclamaram que
não tiveram acesso ao texto final. Isso gera desconfiança".
A Estratégia do Governo: Três Eixos Estruturantes
Para romper com a ideia de reduzir o Estado e, sim, ter um
"Estado preparado para atender às necessidades da população", o MGI
estruturou sua agenda de transformação em três eixos principais: pessoas,
digital e organizações.
Essa visão combina três frentes essenciais: modernização
administrativa, transformação digital e valorização da força de trabalho,
articulando ações implementadas desde 2023.
Eixo Pessoas: Valorização e Dimensionamento da Força de
Trabalho
O MGI implementou medidas estruturantes voltadas à carreira
pública visando reestruturar as bases do serviço público para as próximas
décadas.
Entre as ações já realizadas desde 2023, destacam-se:
- Dimensionamento
da Força de Trabalho (DFT): Foi realizado em 114 órgãos federais.
- Concurso
Público Nacional Unificado (CPNU): Realização de duas edições,
ofertando "mais de 10 mil vagas abertas".
- Reestruturação
de Cargos: Realização da simplificação administrativa que extinguiu
"66 mil cargos obsoletos" e transformou essas estruturas em
"35,9 mil vagas adaptadas às demandas atuais".
- Regulamentação:
Regulamentação do estágio probatório, modernização dos mecanismos de
gestão de desempenho e um novo modelo de metas e entregas por meio do
Programa de Gestão e Desempenho (PGD).
- Reajustes:
Organização e atualização salarial de carreiras dentro dos limites
estabelecidos pelo novo arcabouço fiscal.
Além das ações implementadas, a ministra elencou propostas
em debate com o Congresso Nacional, como a criação da Carreira de Analista
Técnico do Poder Executivo, a centralização previdenciária (Uniprev), a
atualização das regras de desempenho e progressão no Sistema de Desenvolvimento
na Carreira (Sidec), o aperfeiçoamento da previdência militar e a
regulamentação do direito de greve e da negociação coletiva, baseada na
Convenção 151 da OIT.
A Ministra também defendeu o avanço na criação de requisitos
mínimos de capacitação para cargos com funções de gestão, como ocorre em outras
áreas especializadas.
Segundo ela, essa é uma medida que qualifica as equipes,
melhorando a entrega de políticas públicas e reforçando a profissionalização do
serviço público.
Eixo Digital: Governança de Dados e Serviços Integrados
O avanço na digitalização e governança de dados é um dos
resultados concretos da agenda de transformação, visando consolidar
infraestruturas públicas digitais capazes de melhorar políticas sociais,
ampliar o acesso a serviços e fortalecer a capacidade analítica do Estado.
- CPF
como Número Único: Houve o avanço na padronização dos sistemas
públicos, com a unificação do número do SUS ao CPF. Dweck explicou que
"Até pouco tempo atrás, a pessoa podia ter vários números do SUS
porque o sistema não era integrado. Isso dificulta o prontuário eletrônico,
o atendimento e até a formulação de políticas públicas".
- Identificação
Nacional: A Carteira de Identidade Nacional (CIN) ultrapassou "39
milhões de emissões", garantindo mais segurança e biometria
integrada, além de reduzir custos de transação.
- Plataformas
de Governo: A plataforma GOV.BR alcançou "92% de serviços
públicos digitais" e consolidou "milhões de assinaturas
eletrônicas desde 2023", ampliando ferramentas como o Balcão GOV.BR e
as notificações personalizadas. A plataforma ConectaGov soma "mais de
980 serviços integrados", o que permite o compartilhamento seguro de
dados entre órgãos.
- Demanda
e Legislação: A Ministra afirmou que a demanda do Presidente Lula é
"avançar mais na integração de dados", e o MGI está propondo
"alterar a Lei de Governo Digital para transformar princípios em
regras obrigatórias e acelerar o digital nos estados e municípios".
Eixo Organizações: Eficiência na Gestão e Compras
Públicas
No eixo de organizações, Dweck destacou o foco na eficiência
e sustentabilidade da gestão.
- Central
de Serviços Compartilhados: Esta centralização "atende 13
ministérios", evitando a "necessidade de replicar áreas de
suporte" e aumentando a eficiência ao reunir "mão de obra
altamente especializada que está em falta no país".
- Contratações
Sustentáveis: Foi destacada a construção da Estratégia Nacional de
Contratações Públicas Sustentáveis.
- Plataforma
de Compras: Houve a ampliação da plataforma nacional de compras
públicas, o Contrata+ Brasil, que é utilizada para contratações de MEIs e
para a aquisição direta de alimentos da agricultura familiar. A Ministra
ressaltou que a plataforma de compras é passível de adesão por
"qualquer ente da federação, facilitando o processo e ampliando o
alcance das políticas de aquisição".
Críticas e Controvérsias da Proposta Legislativa
A Proposta de Emenda Constitucional 38/2025 é o ponto de
maior atrito entre Executivo e Legislativo no tema.
O relatório final do grupo de trabalho da Reforma
Administrativa na Câmara dos Deputados, apresentado em outubro, reúne "70
propostas" divididas em quatro grandes eixos, e prevê alterações em uma
PEC, um Projeto de Lei Complementar (PLC) e um Projeto de Lei Ordinária (PLO).
Os "quatro grandes eixos" do relatório da PEC
38/2025 são:
- Eixo
1: Estratégia, Governança e Gestão – Focado no planejamento
estratégico, acordo de resultados, criação de um bônus por desempenho
(opcional para entes com saúde fiscal) e revisão de gastos, mantendo a
diligência com as contas públicas.
- Eixo
2: Transformação Digital – Voltada à modernização da máquina pública,
digitalização plena de processos e serviços e incentivo à criação de novos
GovBRs e Pix.
- Eixo
3: Profissionalização do Serviço Público – Focado no planejamento da
força de trabalho, ampliação dos níveis de progressão da carreira,
remodelamento do estágio probatório, adesão de municípios e estados ao
Concurso Nacional Unificado e implantação de uma tabela remuneratória
única.
- Eixo
4: Extinção de privilégios no Serviço Público – Definido como o eixo
central para o enfrentamento das desigualdades e excessos no serviço
público.
Defesa Irrestrita da Estabilidade e Combate ao
"Excesso de Poder"
A Ministra Dweck "reiterou a posição do governo em
defesa da estabilidade no serviço público", afirmando que é "central
para a proteção do Estado e para a continuidade das políticas públicas".
Ela lembrou que, se um projeto "se diz a favor da
estabilidade, mas traz dispositivos que a enfraquecem, esses pontos precisam
sair", e em sua avaliação, a proposta "tem pontos que podem, de
alguma forma, comprometer a estabilidade".
Dweck ainda defendeu que a estabilidade é uma "proteção
democrática do Estado", mas ressaltou que "tem que ser acompanhada
por um amplo processo de avaliação de desempenho", para que a
"sociedade conheça o que servidores fazem".
Outro ponto de forte crítica do Executivo é a inclusão de
dispositivos, como a mencionada extinção de cargos por decreto presidencial,
que a Ministra classificou como um "excesso de poder".
Além disso, a Ministra criticou a pressa na tramitação: "Uma proposta desse tamanho, com excesso de constitucionalização, não pode ir direto ao plenário. Precisa de comissão especial, de debate, de construção conjunta."
Resistência de Servidores, Pressão do Judiciário e Recuo
Parlamentar
A proposta enfrenta forte reação de "sindicatos e
servidores públicos" que se mobilizam para barrar mudanças.
Desde a protocolização, a PEC já vinha "perdendo força
com a saída de apoiadores". No período de 28 a 31 de outubro, por exemplo,
foram protocolados "13 requerimentos de retirada de assinatura da
PEC".
Embora esse gesto seja considerado "simbólico" –
uma PEC só é derrubada se "mais de metade dos signatários pedir a retirada
do apoio", o que exigiria "pelo menos, 86 deputados" —, ele
"demonstra o aumento da resistência".
O relator da PEC, Pedro Paulo, minimiza o movimento,
atribuindo-o a "grupos organizados da elite do funcionalismo" que, em
sua visão, "defendem privilégios" e "não apresentam propostas
concretas".
Ele afirmou que "Esses grupos estão sendo tocados pela
reforma – magistratura, cartórios, alguns sindicatos mais ideologizados. Pegam
avião, vêm a Brasília, procuram deputados".
Segundo o relator, a "base do servidor, como
professores e enfermeiros, não está na Câmara contra a reforma. A elite é que
se move. E o discurso é de negação, nunca de contribuição".
Adicionalmente, o Judiciário também se manifestou. O
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Edson Fachin, expressou
"forte oposição a qualquer proposta de Reforma Administrativa que busque
reduzir a autonomia e a independência da magistratura brasileira".
Em outubro, durante o XXV Congresso Brasileiro da
Magistratura, Fachin alertou que o STF só apoiará a reforma se ela for
"abrangente e respeitar o Judiciário", e que "Não vamos
aquiescer em qualquer tipo de reforma que vá tolher a autonomia e a
independência da magistratura brasileira".
Ele reforçou que "Ninguém pense que fará por cima do
Judiciário uma reforma contra o Poder Judiciário brasileiro".
Contratações Temporárias e Direitos Mínimos
Dweck destacou a importância de padronizar regras de
contratação temporária. Em muitos municípios, há vínculos sem estabilidade, sem
regras claras e até sem licença-maternidade.
O governo defende uso restrito desse tipo de vínculo:
“É muito ruim quando ela substitui cargos permanentes por razões fiscais.”
Pacto Federativo Ganha Força
A agenda colaborativa entre União, estados e municípios já
tem 22 estados signatários. Segundo a ministra, medidas infralegais e pactuadas
produzem resultados mais consistentes que reformas constitucionais amplas.
“Ações pequenas, mas bem direcionadas, geram melhorias
profundas e duradouras.”
Consenso Como Condição Necessária
O governo reforça que não apoiará mudanças unilaterais.
“Nosso governo jamais fará algo dessa magnitude sem diálogo”, disse Dweck.
A construção de consenso deve envolver Executivo,
Legislativo, Judiciário, estados, municípios e carreiras públicas.
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Nossa Aluna | Milena | Aprovada | Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) | CNU
